quarta-feira, 15 de outubro de 2008

TOMBA! TOMBA! TOMBA O TEATRO!



TOMBAMENTO DO TEATRO REGINA/DULCINA

para Multiversidade Antropofágica


“O teatro do futuro vai sair desta terra,

desta inquietude e desta pobreza brasileira.”

Dulcina de Moraes


PREÂMBULO HISTÓRICO


O Teatro Regina na Rua Alcindo Guanabara no Rio de Janeiro, Cinelândia, é conhecido como Teatro Dulcina devido à passagem histórica da mulher de teatro.


Essa mulher Dulcina de Moraes (1908-1996), terceira geração de teatro nascida em Valença, no meio da turnê da companhia mambembe que seus pais - Átila de Moraes e Conchita, também figuras importantes no teatro Brasileiro - faziam parte, foi uma das mulheres mais importantes não só para o teatro, mas para a educação, para o Brasil.


O Jornal do Comércio, em sua edição de 5 de dezembro de 1935 – data da inauguração – comentando o coquetel que o proprietário ofereceu à imprensa, relatava sobre a sala de espetáculos: “E os convidados elogiaram com entusiasmo o bom gosto e o conforto a que tudo ali obedece”. Mário Nunes, em sua obra, assim o descreveu: “A sala em linhas singelas é um portento de aproveitamento de espaço, bem dispostos, a platéia, camarotes e balcões. Decoração moderna, em cores mortas, lisas, luz indireta em tons cambiantes, criam atmosfera de satisfação visual”.


Inicialmente, o Teatro Regina não dispunha de aparelhagem especial para seu arejamento, tanto que Vivaldi L. Ribeiro, ao arrendá-lo em 1940 ao SNT afirmava não se responsabilizar se “as autoridades públicas determinassem o fechamento do teatro por falta de refrigeração ou outro qualquer motivo...”


Em 1940, o Teatro Regina, foi, então, arrendado pelo MEC, pelo prazo de quatro meses, ou seja, de 01 de agosto a 03 de dezembro desse ano, e pela quantia de doze contos de réis, quando o Sr. Abadie Faria Rosa assumiu a direção do SNT.


O Teatro Regina passou por reforma completa após o incêndio de 02 de julho de 1944.


Em 1945 o Teatro Regina passou a pertencer à Companhia Dulcina-Odilon, que criava no mesmo ano a Fundação Brasileira de Teatro “com o objetivo de ensinar teatro aos jovens”.


Foi ela, junto com outros artistas, pedagogos, entidades de ensino; quem pensou na possibilidade de uma faculdade de teatro - a primeira do Brasil - iniciada no prédio Regina, onde a Fundação Brasileira de Teatro ocupava o 5° dos dez andares, de 1953 até 1977.


Em junho de 1946, Genolino Amado, que estreava como autor teatral, dizia: “me alegra que “Avatar” se apresente na inauguração do Regina tão esplendidamente remodelado...”. E Odilon acrescentava: “Estrearemos dentro de dias com “Avatar” que é uma linda peça”.


Dulcina e Odilon falavam das obras, em entrevista concedida à revista Comédia: “Tudo foi feito sob a competente direção do Dr. Celso Melo e, não só se procurou o conforto máximo para o público como vários elevadores, refrigeração, conforto mesmo de ambiente, dando à sala não somente ótimas poltronas, mas ornamentando-a de forma discreta e elegante, bastando dizer que só a cortina de boca custou Cr$100.000,00 como ainda se tratou do conforto do artista, dando-lhe o melhor que o edifício permite, como camarins etc...”


As paredes, revestidas de estucamento especial, foram motivo de comentários. A aparelhagem de iluminação compunha-se de chave trifásica de 300A e chaves de distribuição para todo o teatro, além de um conjunto de resistência eletro-mecânica – com seis unidades e capacidade de 5.000W cada.


Por meio de um contrato de locação, o Sr. Arthur Fomm alugou-o por um ano, para atividades artísticas, de 01 de julho de 1961 a 30 de junho de 1962 – pelo preço de trezentos mil cruzeiros mensais.


Em 05 de abril de 1977 o Teatro Dulcina “foi vendido ao Ministério de Educação e Cultura e (...) a veterana atriz (Dulcina) entregou suas chaves ao diretor do Serviço Nacional de Teatro, Orlando Miranda”.


Em 1978, segundo relatava o Anuário da Casa dos Artistas, o Teatro Dulcina abriu “suas portas, às sextas-feiras, para apresentação do Projeto Pixinguinha, de incentivo à música popular brasileira, da Funarte”.


Segundo registra a Ficha Técnica do SNT, em 1978 a lotação era de 568; 110 no balcão; 4 nos camarotes; 4 nas frisas; 80 nas galerias; além de 8 cativas.


Em 1981 foi iniciada uma nova reforma com o arquiteto Robson Jorge Gonçalves.

A partir de então – até a época em que foi fechado para reformas, dezembro de 1981 – o SNT cede o Teatro Dulcina a companhias selecionadas por uma Comissão julgadora. O período mínimo de ocupação era de oito semanas e máximo de doze meses, destinando-se 8% de renda ao SNT, de acordo com os Editais de 1977, que regulamentaram a concorrência para ocupação do teatro por companhias profissionais.


O teatro foi reaberto em março de 1984 com o espetáculo “Galvez, o imperador do Acre”, dirigido por Luís Carlos Ripper, depois de ficar fechado para reformas desde 1981.


O teatro foi ocupado pelo grupo “Os Fodidos Privilegiados” de agosto de 1996 -quando Dulcina Morre - a junho de 2001 quando o teatro foi entregue à prefeitura. Quem dirigia a FUNARTE na época era Antônio Grassi, que entregou o teatro em comodato à Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro sob o governo de César Maia.


Hoje, 2008, a Prefeitura - ainda no governo de César Maia - está sendo processada pela FUNARTE agora dirigida por Celso Frateshi depois de obter a chave do Dulcina novamente. A acusação é o estado em que se encontrou o teatro depois da administração da prefeitura. Na verdade todo tempo que a prefeitura teve o teatro nas mãos o teatro permaneceu de portas fechadas.



O TOMBAMENTO


O teatro fechado é reflexo da falta de ação viva para o conhecimento,

educação e cultura em todas as atmosferas da sociedade e culturais


Durante todos os anos de existência, a fachada do teatro sempre foi a mesma observando os acontecimentos políticos e vivos culturais da Cinelândia desde sua criação até hoje, e vivendo e sofrendo as transformações internas.


O Teatro já pegou fogo. Recebeu reformas. Foi palco de grandes peças em todos os momentos em que suas portas estiveram abertas.


O acesso ao prédio é entre o Teatro Dulcina e o Cine Orly, que também faz parte do prédio. Nos andares do prédio a ocupação é de escritórios.


Esse prédio, sendo um marco na história do Teatro – ali passaram importantes artistas e peças desde 1935 até o fechamento atual em 2001/2008 – se abre para um novo ciclo dentro da mítica do centenário de Dulcina.


Pois esse teatro, mesmo com todos esses artistas que por ali passaram, ainda não foi tombado.


E é considerando toda essa história do prédio/teatro e da atriz que viveu todas as transformações sociais e do teatro no Brasil, e impulsionando pra mais 50 anos; chute pra frente em dobro, novos teatros e novas pesquisas com outras artes e vidas - que fazemos essa proposta de tombamento.


É fato, o prédio/teatro referido contribuiu na ação do nascimento da primeira universidade com um grupo de pessoas onde Dulcina de Moraes, hoje, é representante centenária dessa geração. Esse signo de atriz, de mulher do teatro, de educadora, diretora, produtora, está trazendo a projeção, a possibilidade, a poesia, de renovação do prédio Regina em uma Multiversidade Antropofágica.


Depois de Dulcina, depois da fundação da FBT em Brasília, as lutas políticas de estudantes para rever a universidade no decorrer da história do Brasil, intelectuais como Darcy Ribeiro que pensaram a universidade; o Teatro Oficina - ícone e inspiração para o teatro Brasileiro, que completa 50 anos de existência como grupo ativo - foi quem trouxe de volta a idéia de uma universidade, porém nova, livre, antropofágica. Inspirado nas palavras proferidas por Oswald de Andrade, tanto para os Centros de Pesquisa, como para o Teatro de Estádio, projeto do qual é a força de resistência do grupo paulista dirigida desde o início pelo diretor Zé Celso. O Oficina tem um projeto de um teatro de estádio no bairro do Bixiga, onde atua desde seu nascimento, em contraponto a um projeto do Grupo Silvio Santos, que é a construção de um shopping, justamente no quarteirão onde se encontra o Teatro Oficina e o Estacionamento do Baú da Felicidade. Esse projeto do Teatro de Estádio, que veio das especulações e das renovações do grupo antropófago liderado por Oswald de Andrade e Oswaldo Costa, com contribuição de escritores e artistas do Brasil inteiro, principalmente Rio de Janeiro, é inspiração para a renovação do teatro Dulcina, do prédio inteiro. Se ali foi pensado um tipo de educação, que hoje estamos acostumados, porque não pensar uma nova? Ou: Porque não dispor um espaço em que se possa praticar essa busca de uma Multiversidade? E viver todos os tipos de ensino.


Portanto o tombamento do prédio – sendo ele importante na história, dentro de um projeto para uma Universidade Livre, proporcionando um espaço de busca e prática do conhecimento e experimentação - leva em consideração os esforços empreendidos por todos os que buscam e buscaram uma educação e cultura livres, experimentadoras e práticas, a caminho de uma sociedade melhor.


É preciso agir como Dulcina - que completaria 100 anos em 2008 - e renovar a idéia de Universidade, assim como para o sentido de profissionalização, e da captação e prática de um desejo.


E é na ação viva em frente do Teatro Regina/Dulcina que o Movimento Dulcynelândia, grupo de artistas, se reúne para desenvolver seus projetos e o centro de pesquisa - um espaço de informação e ação na porta do Teatro.


Projetando uma universidade que atinja todas as atmosferas de busca de conhecimento, iniciada no plano artístico. Afim de atingir os tabus ditos do manifesto antropófago e superá-los para os próximos tabus em totem e assim sucessivamente. A ação é feita em parceria com a ocupação Manoel Congo de frente ao Teatro, o bar ao lado do teatro, criando uma Ágora na rua aos domingos, comprovando na prática a possibilidade de um lugar de troca, livre para conhecimento e ação. Uma Universidade Antropofágica, em resistência; CHUTE é o estudo de como seria o lugar onde se obtém conhecimento e se pratica o estudo pelo estímulo da continuidade da busca individual.


Na prática.


O pedido de tombamento requerido é devido à importância histórica pelo que a fachada e o teatro viram na história do Brasil transitando ali na Cinelandia, e culturalmente pelo que produziu, tanto no plano do teatro, todo o momento em que esteve de porta aberta; e principalmente no sentido educacional-artístico, pela universidade. Que tomamos como inspiração para uma nova relação de ensino.


Assim, impulsionar o prédio, o teatro à esquerda e o cine à direita, como uma Universidade Livre para prática e busca do conhecimento dos moradores da cinelandia, assim como migrantes de vários lugares do Rio, cumpre assim a função e poesia de sua construção. Ícone que caracteriza e fortalece o centro histórico do Rio de Janeiro, não pode ser água parada, mesmo aberto. O Prédio Regina na Alcindo Guanabara, uma pequena Rua, onde se encontra o restaurante amarelinho, a praça da Cinelandia, próximo do Cine Odeon, do Municipal, entre muitos outros prédios culturais, merece ser um espaço de ação nova e viva. Subvertendo a ordem e a idéia de congelamento histórico. Para não desmerecer a história lá ocorrida, nem toda a ação empregada pelo desejo de espaços novos, materiais etc.

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